GILBERTO NO BIG BROTHER PODE AJUDAR JOVENS LGBTQIA+ E TAMBÉM AS IGREJAS

*Esta é uma coluna de Opinião do Editor do Site “William Mayer“.

Recentemente, o participante Gilberto Nogueira, conhecido como Gil do Vigor, afirmou em conversa com o participante Caio que gostaria de ser um bom exemplo para gays que querem seguir sendo cristãos, mas não encontram um lugar na igreja. “Tem pessoas que vivem dentro dessas igrejas sofrendo. Tem um lugar que tem uma taxa de suicídio muito alta entre os jovens gays da igreja porque é muito complicado. Eu quero, pelo amor de Deus, que chegue até eles o Big Brother, que eles vejam que eu ganhei um carro porque fiz uma oração no meio do intervalo e Deus me mostrou o número e eu acertei. Para eles entenderem que Deus continua falando comigo, mesmo eu sendo bicha ou não. Eu me revelando ou não, eu tomando cachaça ou não. Deus não deixa de falar comigo de jeito nenhum”, conta.

Para Gil, conseguir ajudar alguém a se aceitar através de seu exemplo no BBB 21, já vale à pena. “Deus não vai deixar de falar com eles de jeito nenhum. Se alguém me mandar mensagem no meu Instagram falando: ‘Gil, tu é um fuleiro, mas eu me identifiquei com você e hoje consigo ser quem eu sou sem ter medo, consigo ir na igreja e não estou nem aí para quem falar de mim (…) posso adorar a Deus e ser quem sou, e graças a você eu consegui ter essa coragem’, para mim, meu amado, o Big Broter já valeu”, concluiu.

Após assistir o trecho acima, ainda levei alguns dias até me dar conta da importância dessa fala. Sou de família católica e sou consciente das diferenças práticas que existem entre as doutrinas e como elas influenciam na vida de uma criança ou jovem. Mas vim aqui dividir um pouco da minha história e como ela poderia ser diferente se eu tivesse visto o “Gil do Vigor” na televisão.

Como disse, sou de família católica, cresci indo a missa e comecei a fazer a primeira comunhão ainda bastante jovem. Alguns parentes colaboravam ativamente em nossa igreja e consequentemente logo me tornei coroinha. Aos 9 anos fui também estudar em um colégio católico, mas foi nele que comecei a descobrir uma sociedade diferente da que eu havia conhecido na Igreja. Ao contrário do que se pregava na Igreja, onde o amor ao próximo era o mais importante, não foi isso que experimentei no colégio.

Um menino afeminado e que não jogava futebol parecia não ter espaço naquele novo espaço. Era difícil entender, mas sempre procurava conversar com Jesus, com Deus. Naquela época, provavelmente os únicos que me escutavam.

Como eu disse, a Igreja era portanto uma segunda casa. Era onde podia cantar e ser aplaudido, onde tinham orgulho de mim. Eu era a pessoa que auxiliava o Padre na principal igreja da cidade. Me sentia importante, achava que fazendo tudo certo as coisas iam ficar bem.

Mas eu também sempre fui uma criança chata e questionadora. Eu perguntava MUITO. E a igreja é feita de Dogmas e os adultos na maioria das vezes não tem paciência. Então ou você acredita cegamente ou não acredita, essa era a dinâmica. Não havia espaço para questionamentos.

E o que faz uma criança cheia de questionamentos (em uma era pré-internet)? Não havia muito o que fazer. Mesmo com 10, 11 anos de idade já era possível perceber que para me encaixar, fosse no colégio, na igreja ou em qualquer lugar, eu precisaria me adaptar a norma.

Mas em nenhum momento eu achava que tinha algum problema com Deus ou com Jesus, ou mesmo com o Espírito Santo. Eu continuava tendo fé e acreditando. E aí veio a primeira ‘epifania’. Eu podia continuar acreditando na religião, entendendo que a Igreja tinha suas falhas. Segui então para a crisma, continuei cantando na Igreja, no coral da escola. Ainda era coroinha e ainda me sentia bem com a minha fé.

No colégio as coisas foram ficando mais difíceis, os ataques homofóbicos fossem físicos ou psicológicos aconteciam. E era difícil entender os motivos daquilo tudo. “Porque eu sofria, se eu era uma criança boa?”, eu me perguntava. E aí a coisa da homofobia começa a extrapolar a escola, você percebe que ser afeminado é ‘ruim’ na televisão. Você escuta uma piada (assustadoramente parecida com as que os seus colegas fazem) de um familiar que frequenta a mesma igreja que você. Você percebe que aquela história de amor ao próximo nem sempre funciona exatamente como te contaram.

E você começa a ler sobre a igreja, ler sobre o que ela pensa sobre quem é “homossexual”, vê o papa falando na televisão, vê nos jornais. Em todos os lugares a igreja diz que você “é errado”. Que você é um pecador, mesmo antes de cometer o pecado. Nessa época, antes de desistir da igreja e de Deus eu fui no caminho contrário, comecei a ler a bíblia, eu queria entender “onde” ou “quem” dizia que ser LGBT+ era errado. E se vocês procurarem vão se surpreender, são apenas sete passagens bíblicas que poderiam ser identificadas como relacionadas com a homossexualidade. “IDENTIFICADAS”.

Mas então porque parecia que essa condenação era algo tão inerente? Aí bom, as aulas de história, os livros foram explicando. Vivemos num mundo capitalista, a Igreja faz parte desse mundo (e provavelmente é uma das instituições que mais lucra até hoje com esse sistema). E o sistema dogmático funciona porque as pessoas não questionam, ter fé para a igreja é acreditar sem questionar muito.

E foi numa aula de crisma, sem grandes reviravoltas, que tudo aconteceu. Estávamos estudando as parábolas e falando sobre as mensagens por trás das histórias. Sobre uma das parábolas comentei que eram ‘mensagens’, mas que nem tudo o que estava sendo contado era necessariamente verdade. A história de Jonas e a Baleia é tão real quanto a do Peter Pan. A professora insistiu que não, que Jonas havia de fato estado dentro da baleia e me respondeu dizendo: “Se você não acredita na bíblia, você não acredita em Deus”. E apesar de na época ter muito medo da tal da culpa católica, eu respondi: “Se para acreditar em Deus, eu tenho que mentir, então eu não acredito”. Sai da aula, me crismei no mês seguinte, nunca mais fui a missa e nunca mais rezei. Até hoje sou agnóstico.

Mas como teria sido se houvessem outros como eu? Como teria sido se eu tivesse um Gil do Vigor me dizendo que estava tudo bem em ser LGBT e da Igreja? Mesmo após anos sem fazer parte de nenhuma doutrina, sempre entendi perfeitamente a importância da fé na vida das pessoas. Consigo ver a importância que a palavra de Deus (seja ele qual for) tem na vida da grande maioria das pessoas. Aquilo só não servia para mim. Ao menos não daquele jeito.

Por isso que eu digo que essa fala do Gil é tão importante para os LGBT+, quanto é para as Igrejas. Já não são poucos os padres que estão começando a compreender a homossexualidade para além do dogma. A própria campanha da fraternidade de 2021 critica o preconceito contra pessoas LGBT+.

Para mim, pessoalmente, isso não faz nenhuma diferença, a Igreja enquanto instituição continuará sendo o que é, um CNPJ que não precisa declarar impostos “em nome de Deus”. Mas para as milhares de crianças em todas as igrejas, de todos os credos, uma mudança no dogma pode salvar vidas. A Igreja que for capaz de compreender a fé dos milhares de “Gil” que existem no Brasil, pode se aproximar cada vez mais de uma Igreja como a que Jesus havia imaginado. Uma igreja do amor ao próximo, que não atira pedras, que perdoa antes de culpar.

Gilberto, Gil do Vigor, não posso falar pelas outras pessoas do Brasil. Mas hoje talvez ainda não esteja pronto para fazer as pazes com a religião, mas sem dúvida quando tu dizes que “Deus não deixa de falar comigo de jeito nenhum” é quase como se Deus falasse através de ti com todas essas crianças e adultos que sofrem e sofreram como tu. Espero que a Igreja também esteja com os ouvidos abertos para escutar essa mensagem tão importante.

Siga o Alguém Avisa no seu Canal no YouTube e confira conteúdos especiais.