Pela primeira vez a igreja católica faz uma defesa explícita da população LGBT na Campanha da Fraternidade, projeto realizado anualmente desde a década de 1960 pela Igreja Católica no Brasil.
Em entrevista para a DW, a igreja fala que o texto-base deste ano, cujo tema reforça a importância do diálogo frente à polarização, ainda ressalta que mulheres, especialmente as negras e as indígenas, são as maiores vítimas do “sistema de violência” no Brasil, e enaltece a importância das políticas de defesa dos direitos humanos.
“Uma das falsas notícias que fortalece a violência é a retórica de que direitos humanos servem apenas para defender ‘bandidos’. Esse discurso fragiliza cada vez mais os instrumentos institucionais que contribuem para a justiça”, diz o documento.
O parágrafo que fala sobre a comunidade é o que afirma que “outro grupo social que sofre as consequências da política estruturada e da criação de inimigos é a população LGBTQI+”.
Citando a última edição do Atlas da Violência, o documento observa que, em 2018, foram registrados 1.685 casos de violência contra essa população no país. “Segundo dados do Grupo Gay da Bahia […], 420 pessoas LGBTQI+ foram assassinadas [no mesmo ano], destas, 164 eram trans”, acrescenta.
“Esses homicídios são efeitos do discurso de ódio, do fundamentalismo religioso, de vozes contra o reconhecimento dos direitos das populações LGBTQI+ e de outros grupos perseguidos e vulneráveis”, enfatiza o documento. Diante disso, a Campanha da Fraternidade passou a ser alvo de campanhas de desinformação nas redes sociais.
Abordar temas espinhosos não é novidade do projeto – que tem como premissa mobilizar comunidades de base e paróquias em todo o Brasil para debater um assunto ao longo do período da quaresma, ou seja, entre o carnaval e a Páscoa. Já foram colocados como tema os encarcerados (em 1997), a discriminação racial (1988), o tráfico humano (2014) e o desemprego (1999).
A partir do século 21, a cada cinco anos a campanha é realizada de forma ecumênica. É quando a escolha do assunto não recai somente sobre um colegiado da Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB), mas sim a membros do Conselho Nacional das Igrejas Cristãos do Brasil (Conic) – também integrado pelos católicos.
O tema foi definido “sobretudo pelo que ocorreu no Brasil depois do surgimento do governo Bolsonaro, quando a sociedade ficou muito dividida”, afirmou à DW Brasil o padre Antonio Carlos Frizzo, assessor eclesiástico da Pastoral de Fé e Política e um dos secretários da CNBB responsáveis pela campanha.
DW Brasil: A Campanha da Fraternidade deste ano ainda não começou, mas um tema já está presente, sobretudo nas redes sociais: o fato de o texto-base abordar os direitos da comunidade LGBT. Como o senhor avalia essa repercussão?
Antonio Carlos Frizzo: Recentemente surgiu uma forte onda negacionista no Brasil. Negam que a vacina protege, dizem que a política é coisa suja, que a esquerda é comunista. E essa onda também é aproveitada por católicos ligados ao governo Bolsonaro, que usam robôs para divulgar nas redes sociais mentiras, para confundir e dividir a opinião da comunidade católica.
O texto-base cita, sim, o movimento LGBTQI+ como vítima da intolerância. O Brasil é um dos países que mais matam pessoas transexuais. Vem aumentando o número de feminicídio e também o número de [casos de] violência institucional, militar e civil contra os negros. Por isso o texto-base usa, sim, dados para marcar e apontar a violência que se volta contra as pessoas que são homossexuais, transexuais etc., e também contra as pessoas que são ligadas a movimentos dos direitos humanos. O Brasil é uma sociedade tremendamente violenta. Não é mais cordial. Predomina a intolerância.
Ainda longe de um diálogo real e capaz de reparar o quanto a igreja é também parte do problema da violência contra LGBT+, é importante esse movimento, especialmente em momentos como o que estamos vivendo.
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