GABRIEL GALLI RELEMBRA TEXTO SOBRE O MEDO DE DEMONSTRAR AFETO EM PÚBLICO

Recentemente em uma lembrança do Facebook, o jornalista Gabriel Galli relembrou matéria do Metro Jornal de Porto Alegre onde foi publicada uma foto sua ao lado de seu namorado na época.

Confira o depoimento de Gabriel:

“E bem nessa data, por uma triste coincidência, o mesmo espaço foi ocupado para noticiar a morte de 50 pessoas em uma boate LGBT nos Estados Unidos. Na época, lembro que ficamos chocados e felizes com a foto. A repórter surgiu do nada e perguntou se podia nos fotografar em uma manifestação. Deixamos com receio, mas nunca imaginamos que estaria na capa de um jornal no outro dia. Ver o resultado trouxe um sentimento de que os veículos estavam se abrindo para as pautas que nós entendíamos como importantes. Era uma sensação de representatividade, que é importantíssima, mas que eu quase nunca sentia, enquanto gay, na grande imprensa. Muita gente compartilhou nas redes sociais, uma amiga disse que começou a gritar de felicidade no carro quando recebeu um exemplar e a capa construiu um pedacinho do imaginário que eu e o Ramiro guardamos da nossa relação. Foi uma pequena sensação de vitória.

E essa capa sobre o massacre em Orlando foi um tapa na cara. Olhar pra ela me fez lembrar do que eu vivia antes e do que vivo hoje.

Naquela época, eu e o Ramiro não tínhamos nenhum problema em dar um beijo na rua ou andar de mãos dadas. Mas aí a gente foi se despedir, antes de eu entrar no elevador de um prédio onde eu trabalhava, e a zeladora reclamou para os meus superiores. Eles não deram bola e eu, obviamente, interpelei a zeladora, que nunca mais reclamou. Semanas depois fomos a um restaurante, nos beijamos, e o dono disse que não era para repetir, com uma cara de nojo. Fomos embora, ameaçamos não pagar a conta e nunca mais voltamos lá. Em outro momento, na rua dos Andradas, em uma situação parecida, uma mulher passou pela gente e começou a gritar que era um absurdo dois homens juntos. Eu gritei de volta e ela voltou, berrando ainda mais, até que foi embora, depois de enfiar o dedo na minha cara. No mesmo dia, na rua Uruguai, dei um abraço no Ramiro e um homem veio atrás da gente com um pedaço de pau, ameaçando nos bater. Nesse momento, não fizemos nada. Só saímos, amedrontados. Naquela situação, nenhum ativismo valeria meu nariz quebrado, minha boca sangrando e, o pior pra mim, ver a pessoa que amo ferida. Saímos vendo os olhos raivosos que nos perseguiam. E naqueles olhos ficou um pouco da minha coragem.

Com o tempo, acho que a gente foi se amedrontando e hoje, sinceramente, não me sinto seguro em andar de mãos dadas em Porto Alegre. Às vezes olho com um pouco de inveja, confesso, casais LGBT trocando afeto em público e não consigo parar de pensar no quão corajosos são, mas também nos riscos que correm. Parece um discurso de pai e mãe, eu sei, e talvez até tome mais coragem agora que parei para pensar nisso. Só que era pra ser algo bom; pra mim, e pra muitas outras pessoas, a demonstração de afeto está conectada à necessidade de entrar em alerta imediatamente.

Sinto que estamos regredindo enquanto sociedade sobre os direitos de pessoas LGBT? Não necessariamente. Nunca, na história, falamos tanto sobre isso; alguns direitos começam a ser garantidos, algumas lutas estão começando a ser vencidas. Mas não há dúvida de que essa percepção que a gente compartilha de que a humanidade caminha apenas para o progresso é falsa. A gente pode retroceder muito em temas de Direitos Humanos. E não há um salvador geral que irá assumir o poder pra resolver todos os nossos problemas e nos levar para o mundo maravilhoso no qual estávamos há alguns anos, em que as pessoas LGBT não eram assassinadas e agredidas a sangue frio em vários lugares do mundo. Esse mundo nunca existiu.

Foram 50 mortos em Orlando nesse domingo e 319 só no ano passado aqui no Brasil. O que mais de deixa com raiva nisso tudo é ouvir que há uma “agenda gay” sendo imposta para a sociedade quando, por exemplo, se pede para que esses temas sejam discutidos nas escolas. Não tem agenda nenhuma, esse que é o problema. A gente só está pedindo para pararem de matar travestis, transexuais, lésbicas, bissexuais e gays.

Obrigado ao Wagner Machado por me mostrar a lembrança do Isra De Castro Fritsch, que ainda não conheço e fez a montagem que usei aqui, mas que me fez refletir sobre meus últimos anos”.

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