DEPUTADA TRANS ÉRIKA HILTON FALA SOBRE O DIA A DIA NA CÂMARA

A história da codeputada Érika Hilton (Bancada Ativista-PSOL/SP) é marcada pela exclusão social e por vários tipos de violência, como a da maioria das mulheres transexuais e das travestis brasileiras. “Venho de uma trajetória repleta de ódio e de negações. Quando chego neste espaço, já é algum tipo de ascensão”, explica, referindo-se à rotina na Assembleia Legislativa de São Paulo (Alesp).

Prestes a completar 27 anos, Érika ressalta a importância da criação coletiva de uma sociedade que não atribua sentenças e privações às chamadas minorias. De acordo com a Associação Nacional de Travestis e Transexuais (Antra), a expectativa de vida para esse grupo no Brasil é de apenas 35 anos. Ainda segundo a entidade, a maioria das mulheres trans passa ou já passou pela prostituição, mas 95% delas dizem querer migrar para algum tipo de emprego formal.

Leia, abaixo, os principais trechos da entrevista:

Como é a vivência da senhora como mulher trans negra?

Minha trajetória foi muito parecida com a da maioria: marginalização, expulsão de casa e prostituição compulsória muito cedo. Pertenço a um grupo em que 90% das pessoas passam pela prostituição, com a expectativa de vida de apenas 35 anos. Sofremos com o ódio, com a violência e com as formas de genocídio mais brutais. Notei que essa vivência não era orgânica ou natural. Era um projeto de extermínio. Foi quando comecei a entender que era preciso me empoderar e me apoderar da política.

A senhora está se referindo à política do cotidiano? Ou o caminho que imaginou passava pela política institucional?

Alguns corpos, por existência e por natureza, são políticos. Quando algumas vidas são negociadas, desumanizadas ou menos importantes, se manter vivo é um ato político. Ir à padaria é uma coisa surreal e extraordinária, porque minha imagem já está atrelada à prostituição, ao drogadicídio, à marginalidade e ao alvo que a polícia coloca na minha cabeça.

Como ocorreu, então, o despertar para a política partidária?

Minha primeira ação política foi a reivindicação do uso de meu nome social no transporte escolar de Itu, onde fui candidata à Câmara, em 2016. Quando rejeitaram meu pedido, percebi que direitos básicos, civis e primários ainda me eram negados. Fiz um abaixo-assinado, que no terceiro dia já tinha conseguido mais de 700 mil assinaturas, e a história repercutiu. Foi a partir daí que eu entendi que não era só um desconforto ou uma indignação com o quadro social como um todo. Aceitei o convite para me filiar ao PSOL e acabei me candidatando. Naquele momento, não deu certo. Em 2018, me uni à Bancada Ativista e estamos aqui (na Alesp).

Nesta legislatura, a Alesp conta com duas deputadas trans, a senhora e a Erica Malunguinho, ambas do PSOL. Como vem sendo atuar na Assembleia?

Não há nenhum episódio de violência escrachada, mas violências simbólicas acontecem. O tempo todo elas são atiradas em mim: ‘Por que você chegou aqui?’, ‘Como nós não te matamos antes?’. Isso me é dito o tempo inteiro, seja no plenário, nos corredores ou nos olhares.

É a favor da cota de 30% de candidaturas femininas nos partidos?

As cotas são benéficas, uma reparação histórica a todos os grupos que foram historicamente marginalizados ou boicotados de acessar algum tipo de espaço. Mas não adianta só darmos acesso e dizermos que existe um número de vagas reservadas. É preciso fiscalização, porque parte da verba ainda é desviada para as candidaturas dos homens. É preciso comprometimento desses partidos e que os recursos sejam divididos igualmente. Ouvimos falar de mulheres que receberam R$ 1 milhão de campanha, mas não chegaram a ter 5 mil votos em seus Estados.

A taxa de sucesso das candidaturas femininas é menor. O porcentual cai ainda mais quando se trata de mulheres negras, indígenas e trans. É uma discussão válida?

Sim. Que mulher é essa que consegue entrar na política? Onde estão as mulheres negras e as trans, que não conseguem ultrapassar os desafios cotidianos para chegar a esse lugar? Há mulheres que até nos representam no Parlamento, mas são brancas, alinhadas com a política hegemônica, e que não consideram as mulheres que precisam driblar a fome, a miséria, o transporte público, a violência doméstica.

Como aumentar essa participação, então?

Somos provas vivas de que há outra possibilidade de viver. Só precisamos construir essa ponte até outro tipo de existência e de sociedade. Sairmos das sentenças sociais. É uma responsabilidade muito grande, mas também algo magnânimo, bonito e gratificante. As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.

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