JOVEM DE 22 ANOS DENUNCIA PSICÓLOGA QUE TENTAVA ‘CURA GAY’

“Falava que minha orientação sexual era errada, que eu era gay por ter mais progesterona. Ela falou que a comunidade LGBT é ruim, sempre usando o termo ‘homossexualismo’”. O trecho que abre esta reportagem faz parte de uma conversa entre uma psicóloga e um paciente que viralizou pelas redes sociais ao longo dos últimos dias, e levanta um intenso debate a respeito de homofobia e uma de uma suposta “cura” para orientação sexual.

Ao portal BHAZ, o publicitário Vinícius Ferrari de 22 anos relata que a psicóloga Rose Fernandes de Sousa usou o termo “homossexualismo”, banido pela OMS (Organização Mundial de Saúde), durante uma consulta, além de ofendê-lo por diversas vezes. O caso ocorreu em São Bernardo do Campo (SP) e o CRP-SP (Conselho Regional de Psicologia de São Paulo) se manifestou publicamente. O órgão orienta que pacientes que passarem por situações semelhantes devem denunciar os profissionais que estejam em desacordo com o Código de Ética Profissional e as Resoluções do Sistema Conselhos.

Segundo o publicitário, ele foi em uma consulta, no segundo semestre de 2019, por conta de problemas familiares. Contudo, a sessão teria tomado outro rumo e o paciente se sentiu ofendido após a profissional dizer que ele teria “um fim melancólico”, que “merecia a sarjeta” e insinuar que a homossexualidade deveria ser tratada como doença.

“Homossexualismo”

“A consulta aconteceu em um sábado, aí na segunda-feira tive um retorno com muitas ofensas, sem nenhum profissionalismo. Ela veio perguntar se eu iria continuar as sessões, mas eu disse que não. Ela utilizou o termo ‘homossexualismo’ por diversas vezes durante a consulta, mesmo eu explicando que era ofensivo”, conta Vinícius.

“Foi como se ela tivesse dizendo que eu precisaria de tratamento pela minha orientação sexual. Ela não precisou falar abertamente em terapia para tratar a homossexualidade, mas a gente percebe isso nas entrelinhas, a homofobia. Ela falou que a comunidade LGBT é ruim, sempre usando o termo ‘homossexualismo’. Falava que minha orientação sexual era errada, que eu era gay por ter mais progesterona”, explica o rapaz. Desde 1993, a OMS não trata as homossexualidades como patologia, isto é, não são doenças e por tal motivo não precisam de cura.

Após a consulta, a psicóloga perguntou, pelo WhatsApp, se Vinícius gostaria de continuar as sessões, mas ele rejeitou. “Além das ofensas na consulta, ela começou também pelo WhatsApp. O post viralizou e muitas pessoas me falaram que eu deveria denunciá-la no Conselho Regional de Psicologia. Já coletei todos os dados dela e vou denunciá-la”, conta.

“Acho importante denunciar, pois eu sou bem resolvido, não me abalo muito com essas coisas. Mas imagina um jovem que for consultar com ela, que estiver com problemas em relação à orientação, poderia fazer um estrago para uma pessoa que já está em sofrimento. É uma profissional da saúde, essas coisas não podem acontecer”, pondera.

Prints mostram absurdos

Na sequência de 12 prints postados pelo publicitário (veja abaixo na íntegra), ele expõe a forma como foi tratado pela psicóloga. Em um grupo fechado do Facebook, a publicação teve mais de 10 mil curtidas e 9 mil comentários.

Vinícius explica para a psicóloga que “não escolheu ser gay”, que é “uma orientação, uma condição, nascemos assim”. Ele também reforça que “não existe heterofobia”, como teria dito a psicóloga durante a consulta.

“Homofobia é um termo utilizado para se referir ao preconceito que existe contra homossexuais. Se algum dia alguém já te olhou feio na rua, ou se já sofreu agressão física ou verbal por ser uma mulher heterossexual a gente pode conversar, está bem? Porque eu já sofri três tipos de violência por ser quem eu sou. Isso é homofobia!”, continua Vinícius.

“Seu final será melancólico”

A psicóloga responde com ofensas. “Em qualquer escolha ou ‘destino’ deve se ter respeito pra ser respeitado! Seus pais são atenciosos como você! Você não gosta de ser confrontado! Seu final será melancólico, não por sua opção, escolha, destino e etc e tal, mas pela sua falta de respeito! […] A forma como você trata seus pais você merecia a sarjeta”, disse Rose.

Os dois continuam a discussão e a psicóloga segue com as ofensas. No fim do texto, Vinícius diz que acredita que Rose não tenha noção do que está escrevendo e que irá denunciá-la. “Eu fiquei realmente perplexo com a sua falta de profissionalismo que está se estendendo até agora. Mas não se preocupe, vamos ver o que o Conselho Regional de Psicologia pensa disso. Você mexeu com o viado errado”, finaliza o publicitário.

O BHAZ procurou a psicóloga Rose Fernandes de Sousa que, por telefone, disse que Vinícius não é mais paciente dela e que não se manifestará sobre o assunto.

CRP-SP orienta que pessoas denunciem

Por meio de nota enviada ao BHAZ (leia abaixo na íntegra), o CRP-SP (Conselho Regional de Psicologia de São Paulo) afirma que “é grave a disseminação de discursos pejorativos que provocam sofrimento mental e fomentam o preconceito na sociedade”.

O órgão ainda diz que segue com o princípio da “defesa intransigente dos direitos de toda a população, em especial sobre a população LGBT+, explicitamos que a orientação sexual e a identidade de gênero não se configuram como doença”.

Ao fim do texto final, o CRP-SP ainda pede que as pessoas denunciem esses profissionais. “Orientamos toda a sociedade a recorrer a este Conselho realizando representação aos profissionais de Psicologia que estejam em desacordo com o Código de Ética Profissional e as Resoluções do Sistema Conselhos”.

“É importante o psicólogo entender a dimensão do lugar que ocupa”

Em entrevista ao BHAZ, Dalcira Ferrão, psicóloga clínica e social, que também é Conselheira Federal de Psicologia, explicou que a conduta da colega de profissão não foi correta. “É muito difícil a gente fazer a avaliação no atendimento de uma outra profissional. Pelas mensagens, pela forma como foi conduzido, me causou algumas estranhezas”, inicia a psicóloga, que também tem experiência com a temática LGBT.

“Pelas afirmações que o paciente diz que ela durante a consulta apresentou ideias preconceituosas, estereótipos, usando termos como ‘homossexualismo’, não é a postura de uma profissional que cuida da saúde mental. As respostas dela, ao meu ver, foram no mínimo ríspidas. Ao ver a conversa, não parecia algo de âmbito profissional, parecia um bate-boca. Sobre o que houve no consultório não posso atestar, mas pelo relato da conversa ela estava muito incomodada com a postura do paciente ter questionado sua conduta e reagiu de maneira agressiva e destemperada. Parece não ser uma temática que ela domine”, explica.

A conselheira ainda reforça que homossexualidade não é doença e, por isso, não existe tratamento. “Não existe nenhuma proposta psicológica ou terapêutica para orientação sexual. Desde a decisão da OMS, que deixou de considerar as homossexualidades como patologia, nove anos depois o Conselho Federal de Psicologia se posicionou e começou a regular essas questões”.

“A resolução 001/99 proíbe que psicólogos exerçam qualquer tipo de tratamento para homossexualidades. Essa resolução é um documento importante, que também proíbe o posicionamento público de forma preconceituosa, sobre essas questões, enquanto profissionais de Psicologia. É uma legislação que está vigente”, continua.

Caso uma pessoa homossexual precise de auxílio em relação à orientação sexual, o psicólogo pode ajudar. “Enquanto profissionais de Psicologia, nos cabe fazer uma escuta qualificada, fazer esse acolhimento. É muito comum pessoas LGBTs sofrerem pela questão da LGBTfobia, por essa não aceitação. As pessoas podem, inicialmente, apresentarem dificuldades de autoaceitação”.

“O papel da(o) psicóloga(o) é acolher esse sofrimento, entender os elementos e buscar saídas em conjunto. Vai fazer uma diferença ouvir, de um(a) profissional, que o que ela está sentindo é normal, que não existe nada de doença. Orientar a família também é fundamental, para desconstruir estereótipos. A profissional deve estar qualificada para fazer esse tipo de atendimento”.

Para finalizar, a conselheira explica que “é muito importante as(os) psicólogas(os) entender a dimensão do lugar que ocupam. Nem todo psicólogo vai dar conta de atender todos os assuntos e demandas que surgirem. Se o profissional não tem condições, deve finalizar e encaminhar para outro colega”, completa.

Homossexualidade não é doença, diz OMS

Na história da civilização ocidental, as manifestações da homossexualidade passaram por diversas óticas por parte das sociedades. Para algumas culturas da antiguidade elas faziam parte da vida, enquanto para outras elas não eram aceitas. Com o advento do cristianismo e, sobretudo, na Idade Média, arraigou-se a noção da prática da homossexualidade como pecado, tendo como desdobramento posterior a sua criminalização, especialmente no grande número de países afetados pela colonização britânica.

Com a Revolução Industrial, a sociedade de mercado e o aumento do controle do Estado sobre a população, na segunda metade do século XIX, o enfoque mudou da criminalização para a patologização da homossexualidade. Assim, entre 1948 e 1990, a Organização Mundial da Saúde (OMS) a classificava como transtorno mental.

Em 17 de maio de 1990, a 43ª Assembleia Mundial da Saúde adotou, por meio da sua resolução WHA43.24, a 10ª Revisão da Lista da Classificação Internacional de Doenças (CID-10), sendo que nesta versão da CID “a homossexualidade per se não está mais incluída como categoria” (OMS). A nova classificação entrou em vigor entre os países-membro das Nações Unidas a partir de 1º de janeiro de 1993. Com isso, desde então, a homossexualidade não é considerada mais uma doença.

Nota do CRP-SP

“O Conselho Regional de Psicologia de São Paulo (CRP SP) prevê como princípio fundamental do exercício profissional da/o psicóloga/o, como previsto no Código de Ética Profissional, que o trabalho deve ser realizado com observância e respeito a promoção da liberdade, dignidades, igualdade e da integridade de todos os seres humanos, considerando a Declaração Universal dos Direitos Humanos, devendo promover a saúde e a qualidade de vida das pessoas e da coletividade, contribuindo para eliminação de quaisquer formas de negligência , discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão.

É grave a disseminação de discursos pejorativos que provocam sofrimento mental e fomentam o preconceito na sociedade. Seguimos como princípio a defesa intransigente dos direitos de toda a população, em especial sobre a população LGBT+, explicitamos que a orientação sexual e a identidade de gênero não se configuram como doença. Vedando a/o psicóloga/o qualquer ação que favoreça a patologização de comportamentos homoeróticos nem tampouco orientem, de maneira coercitiva, tratamentos não solicitados.

Além disso, não poderão se pronunciar publicamente nos meios de comunicação de massa de modo a reforçar os preconceitos sociais existentes em relação aos homossexuais como portadores de qualquer desordem psíquica. Em seu parágrafo único, a resolução diz que “os psicólogos não colaborarão com eventos e serviços que proponham tratamento ou cura das homossexualidades”.

Reafirmamos as resoluções aprovadas pelo Conselho Federal de Psicologia de n° 01/99 e 01/18, que reafirmam que não há cura para o que não é doença. Considerando que cabe ao Conselho Regional de Psicologia zelar pelo exercício profissional de qualidade, orientamos a toda a sociedade a recorrer a este Conselho realizando representação aos profissionais de Psicologia que estejam em desacordo com o Código de Ética Profissional e as Resoluções do Sistema Conselhos. Neste caso, entrar em contato com a Comissão de Orientação e Fiscalização e-mail: orientacao@crpsp.org.br”.

Com Ministério da Saúde

Fonte: BHAZ

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