MÃE DE TRANS MENOR DE IDADE CONSEGUE A 1ª RETIFICAÇÃO DE NOME DO RS

Caroline Aya é mãe do Niko e topou conversar com o Alguém Avisa para falar sobre o processo de retificação do seu filho Niko. O processo foi iniciado logo após o Niko se assumir trans, aos 11 anos (ele está com 13 agora). Esse foi um processo difícil desde o início, pois foi o primeiro do estado. “Como tinha ciência de que poderia ser um processo complicado e longo, eu sabia que não teria dinheiro para custeá-lo e procurei a defensoria pública de Porto Alegre. As próprias pessoas que trabalhavam na DP não sabiam sequer como agir, pois nunca haviam tratado de um processo de retificação de certidão para trans envolvendo menor de idade, estávamos todos no escuro” conta a mãe. Ela e Niko passaram por vários departamentos da defensoria, falaram com um sem número de pessoas, entre defensores, psicólogos, assistentes sociais e outros. Havia claro um despreparo e uma falta de informação bem grande por conta de se tratar de um primeiro processo, mas Caroline revela que teve sorte de se deparar com uma equipe multidisciplinar bastante solícita e que montou o processo com muito cuidado e profissionalismo.

Na época em que o Niko se assumiu, a mãe conta que já estava separada do pai biológico dele e se relacionando com outra pessoa. Segundo ela, o companheiro “por ter caído na entrada do Vale de paraquedas” ficou um pouco confuso no começo, mas ofereceu todo o amor e apoio que o Niko precisava e buscou se informar. Como Carol não tinha muito contato com a sua família, o desafio seria ver como a família do seu companheiro reagiria, pois já conheciam o Niko antes da transição. A mãe revela que “foi tudo mais tranquilo do que pensamos, mesmo para a avó do meu companheiro, na época com 83 anos. Ela se confundiu, mas após uma conversa explicando, já estava tratando ele como o menino que ele era. Eu tive uma rede de apoio muito grande para seguir com o processo e o Niko recebeu apoio em todas as etapas da sua transição, só tenho a agradecer quem seguiu e segue com a gente”.

Sobre as dificuldades do processo, Caroline diz que “esse processo todo foi muito cansativo e complicado. Eu estava sempre dentro da Defensoria Pública, ou do Fórum, ou do CRDH (Centro de Referência em Direitos Humanos da Defensoria Pública) e outros locais, ora sozinha, ora acompanhada do Niko. Como não podia contar com a ajuda do pai biológico (que aceitou a transição, mas nunca se envolveu no processo) eu era a única representante legal dele em todas as audiências, documentações, autenticações em cartório, assinaturas eram comigo, o que me demandou tempo, dinheiro e energia que, olhando pra trás agora, eu não sei nem dizer de onde eu tirava. Tive o apoio da madrinha, do padrinho e do padrasto quando era possível, mas legalmente falando, eu era a única responsável por ele. Certa vez ficamos mais de quatro horas dentro da DP enquanto o Niko era atendido pela equipe multidisciplinar, constantemente ele era questionado se “tinha certeza” que era um menino, coisa que não se pergunta para uma pessoa cis. Nosso psicológico ficou bastante abalado durante o processo, sentíamos muitas vezes que tentavam nos vencer no cansaço, mas não desistimos, era um direito do meu filho viver e existir como ele se identificava e pra isso precisava do seu nome, legalmente falando”.

Pra outras mães que passam pela mesma situação, Caroline deixa o seguinte recado: “Não desistam! Eu sei que não vai ser fácil, mas vale a pena no final. Saiam do armário também e defendam seus (as) filhos (as), sejam lésbicas, gays trans ou o que for. O mundo se encarregará de ser cruel com elxs, sejam o apoio que elxs vão precisar.

E nessas horas, existem outras redes de apoio, como a Mães pela Diversidade. Caroline conta que já acompanhava o trabalho das “Mães” pelas redes sociais e sabia da importância dessa associação dentro do meio LGBT e quando o Niko se assumiu trans, ela logo procurou se inserir no grupo. Entrou em busca de informação, pois não havia muita coisa que pudesse auxiliar naquele momento e também para ter outras mães que entendiam o que ela estava passando e segundo ela o acolhimento foi maravilhoso. “O Mães pela Diversidade foi de extrema importância nesse processo, mesmo que, na época, nenhuma das mães tivesse uma criança trans, somente adultos. Fomos criando e buscando informações juntas, quando uma descobria uma coisa que pudesse ajudar, logo repassava e todas as derrotas em meio ao processo eram sentidas juntas, assim como cada vitória era comemorada também. Havia um laço de amizade e um apoio sem tamanho, como quando o Niko sofreu um episódio de violência dentro da escola um dia antes de uma feira de ciências, que o deixou bem abalado, e no outro dia havia Mães pela Diversidade devidamente “fardadas” e carregadas de orgulho e amor para mostrar que não estávamos sozinhos e assistir a apresentação do projeto dele. Quando saiu a sentença favorável à retificação de nome e gênero na certidão, as primeiras a saber foram elas e foi uma choradeira só pelos áudios do Whatsapp (risos). Era uma decisão muito importante e esperada por todas, o direito do Niko ser, agora também legalmente, quem ele realmente é e a certeza de que essa decisão abriu portas para que outras crianças e adolescentes daqui do RS tenham seus direitos garantidos. Fica um sentimento de gratidão enorme à essas mulheres maravilhosas que ficaram com a gente até o final”, completa Caroline.

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