MÃE LGBT FALA SOBRE ADOÇÃO, MATERNIDADE E ROUPAS NO VARAL

Para algumas pessoas é quando elas pegam o teste de gravidez com o “positivo”. Para algumas é
quando ouvem o bebê chorar pela primeira vez. Para outras quando amamentam. Ou quando o bebê
segura o dedo com a sua pequena mãozinha. Para mim foi quando estendi uma camiseta da minha filha
no varal. Lavei as roupas e não eram só as minhas. Inclusive, a maioria das roupas eram dela. Naquele
momento me dei conta de forma concreta: eu sou mãe.

Lembro de quando vi a minha filha a primeira vez, quando a vi descendo as escadas do abrigo
onde ela morava. Lembro da roupa que ela usava, do primeiro “oi” e do primeiro abraço. Eu não a
conhecia, ainda não sabia muito sobre ela e quem ela era de fato, mas eu sabia que era minha.
Havíamos, finalmente, nos encontrado. E ali começava um novo capítulo das nossas vidas.

Quando eu tinha dezoito anos, tive que passar por aquele perrengue inaceitável de “me
assumir” para a minha mãe, meu pai, meus irmãos e todo o resto da família, amigos/as e sociedade ao
meu redor. Sendo natural de uma cidade pequena no Rio Grande do Sul, na época as coisas não foram
fáceis. Pouquíssimas pessoas entenderam, me ajudaram ou me apoiaram. Ouvi absurdos. Passei por
situações absurdas.

Mais de uma década se passou. As pessoas, que na época ficaram tão confusas, evoluíram muito
e toda a minha vida mudou para muito melhor. E eu, lésbica assumida há tantos anos, tive que me
assumir novamente. Dessa vez, para a minha recém chegada filha. Recém chegada na minha vida, recém
chegada na nossa família, mas não recém chegada no mundo. Lembro que em um dos nossos primeiros
passeios, expliquei para ela que eu namorava uma mulher e que eu sempre namoraria com mulheres, e
perguntei como isso era para ela. Lembro do olhar cravado no meu, com cara de que não estava
entendendo a pergunta, torceu o nariz e respondeu “ué… normal. Qual a diferença?”. Na hora eu sorri.
Nesse exato momento, me emociono lembrando. Afinal, qual é a diferença?

Nossa família é formada por uma mãe solo, uma filha adolescente e três gatas vira-latas que
adotamos. Moramos em um apartamento no centro de São Paulo, como tantas pessoas outras pessoas.
Temos a sorte de sermos rodeadas pela diversidade. Também temos a sorte da minha mãe, meu pai,
meus irmãos, minhas amigas e meus amigos serem pessoas maravilhosas e extremamente presentes na
nossa vida e no nosso dia a dia. Todos nos ajudam e participam muito, cada um do seu jeito. E o fato da
filha ter tantos exemplos de adultos interessantes, inteligentes, bacanas e do bem para se espelhar me
dá uma sensação enorme de tranquilidade. Acordamos cedo todos os dias. Minha filha estuda pela manhã
e à tarde faz aulas de inglês, de música, análise… Eu trabalho quase cinquenta horas por semana e volto
para a casa cansada todas as noites. Juntas, cuidamos da casa, das gatas e das plantas.

Todas as noites e finais de semana conversamos, fazemos lição de casa e um ou outro passeio cultural.
Nossa rotina é uma rotina absolutamente comum como a da maioria das famílias que eu conheço.
Por mais que eu tenha adotado a minha filha sozinha, sigo sendo uma mãe LGBT. Minha filha
sabe se eu tenho um relacionamento e com quem. Conversamos abertamente sobre tudo, sempre
respeitando a privacidade uma da outra. Minha filha tem amigos/as lésbicas, gays, bi e trans. E eu me
orgulho da naturalidade com a qual essas amizades e convivências vem e acontecem na vida dela. A
mesma naturalidade de quando eu contei para ela sobre a minha orientação.

Minha filha tem quinze anos e mora comigo há alguns meses. O meu desejo de ser mãe sempre foi pelo meio da adoção, desde a minha infância. Minha filha viveu sete anos com a família biológica, sete anos em um abrigo e agora está em casa. Eu abracei e acolhi a história dela e ela a minha. Nosso amor de mãe e filha é baseado em muito respeito à nossa própria individualidade. Não me sinto menos mãe por não ter gestado, por não ter visto ela dar os primeiros passos, ou por não ter ouvido sua primeira palavra. Também não me sinto menos mãe por eu ser lésbica ou por eu ter optado por ser mãe solteira. Muito pelo contrário. Nossa experiência de vida é muito real, muito intensa e muito positiva. Nossa convivência é repleta de paz, descobertas e momentos inesquecíveis. Não romantizo a maternidade, mas falo todos os dias do quanto é algo que trouxe mais alegria e felicidade para a minha vida.

Ver a minha filha, no auge da sua adolescência, se posicionando sobre diversos assuntos e questões tão importantes de forma tão consciente, me faz acreditar que eu devo estar fazendo algo certo. A sua visão de mundo e sociedade é muito mais inteligente e coerente do que a minha quando eu tinha a idade dela. E o orgulho que isso me causa é indescritível.

A minha mãe é uma das mulheres mais maravilhosas que eu conheço. Ela me ensinou muito do que eu sei e eu sigo aprendendo com ela todos os dias. Ela me ensinou a ser mãe e eu copio muitas coisas dela. Sigo tentando exercer a maternidade da forma espetacular com que a minha mãe o faz. Como a maioria das mães, seguirei sempre tentando acertar e mesmo assim errando algumas (várias) vezes. Minha filha e eu seguimos com a nossa rotina comum de família “não-tradicional”. Seguimos trabalhando, estudando e dialogando muito. Seguimos nos tornando cada dia mais mãe e filha. Sigo me esforçando para ser uma boa mãe. Sigo orientando, norteando e apoiando. Sigo desagrandando às vezes, mesmo querendo agradar. Sigo sendo o meu melhor para ser um bom exemplo para a minha filha todos os dias. E sigo, todas as semanas, estendendo as roupas no varal.

Feliz Dia das Mães (e Pães)!                                                                                                                                

Carina Henzel

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