GARRARD CONLEY, AUTOR DE ‘BOY ERASED’, CONTA COMO SOBREVIVEU À ‘CURA GAY’

É comum que escritores dediquem livros a seus pais. Mas para Garrard Conley, autor de Boy Erased – Uma verdade anulada (Intrínseca, 2019), fazer isso foi como um ato surpreendente de perdão. Foram justamente seus pais que lhe impuseram uma escolha: aceitar passar pela terapia de conversão sexual, conhecida popularmente como “cura gay”, ou ser exilado de sua família, amigos e religião para sempre.

″É muito fácil de entender. Eles [seus pais] foram ensinados que ser gay resultaria em dor e sofrimento”, disse em entrevista por e-mail ao HuffPost Brasil. Seu livro foi lançado no Brasil em janeiro, mas o filme baseado nele teve o lançamento cancelado no País pela distribuidora Universal Pictures.

Nascido no Arkansas, nos Estados Unidos, e filho de um pastor da igreja Batista, em 1998 Conley escolheu passar pela terapia que o transformaria em “ex-gay”. Ele tinha 19 anos. “Não há nada que me ajudaria a tomar uma decisão diferente, dadas as minhas circunstâncias na época”, lembra. “Quando descobriram [seus pais] que eu era gay, ligaram para os líderes da igreja, que sugeriram que a terapia de conversão seria a melhor opção. Por terem sido ensinados a confiar na igreja, concordaram com eles”, explica.

Tudo veio à tona após um episódio de violência sexual. Conley foi estuprado por um potencial amante e seu agressor revelou aos pais do escritor que sua orientação sexual não era exatamente a que esperavam.

Em contrapartida, ele sentia que, tanto a violência que sofreu, quanto a terapia de conversão eram “punições de Deus” por seus desejos homossexuais classificados como “transgressões mentais” por ele mesmo. “Eu esperei cerca de uma década para escrever uma única palavra de Boy Erased”, conta.  Mas por quê? “Em primeiro lugar, porque eu estava muito envergonhado. Eu me sentia estúpido em ter concordado em passar por uma terapia de conversão.”

A “cura gay” nos Estados Unidos e no BrasilMesmo com a resolução da OMS, que retirou a homossexualidade da lista de doenças mentais, as chamadas “terapias de conversão sexual” são utilizadas mundo afora e se baseiam na teoria de que seria possível alterar a orientação sexual de uma pessoa.A discussão a respeito do tema nos EUA é grande. Atualmente em 41 estados do país a prática é legalizada. Recente estudo do Williams Institute, da faculdade de direito da Universidade da Califórnia, Los Angeles, alerta que 20 mil jovens LGBTs norte-americanos passarão pelo tratamento.No Brasil, o Conselho Federal de Psicologia já proibiu profissionais do ramo de tratar a transgeneridade como doença ou anomalia. Mas não há leis que impeçam esse procedimento. “As chamadas terapias de reorientação sexual produzem violências das mais variadas ordens”, avalia o diretor do CFP Pedro Paulo Bicalho, professor da UFRJ (Universidade Federal do Rio de Janeiro), em entrevista ao HuffPost Brasil.“O que nós precisamos enfrentar é a LGBTfobia, que faz com que muitas pessoas sofram com a sua condição de homossexual. Não a homossexualidade em si”, completa.

Dezoito anos após fracassar no tratamento que, em 12 passos inspirados em preceitos da Bíblia, prometia livrá-lo de seus “pensamentos impuros” e corrigir sua orientação sexual, seu livro de memórias foi publicado e ficou na lista de melhores do ano do The New York Times, e na lista Top 10 Biografias do Oprah’s Book Club, da apresentadora americana Oprah Winfrey.

O livro retrata o peso que as relações entre família e fé tiveram na busca do autor para (re)afirmar sua identidade. Escrever sobre o processo foi a saída: “Decidi escrever depois de aceitar alguns dos sintomas que experimentei por causa da terapia (um profundo sentimento de vergonha permanente, por exemplo), e senti que precisava dar voz às experiências dos outros.”

Senti que precisava dar voz às experiências dos outros.

Em 2018, sua história também se transformou em filme. Dirigido por Joel Edgerton, o longa traz Nicole Kidman, Russell Crowe e Lucas Hedges no elenco principal. O filme foi indicado ao Globo de Ouro 2019 em duas categorias: Melhor Ator de Filme – Drama, pela atuação de Lucas Hedges, e Melhor Música Para Filme, por Revelation.

Por decisão comercial da distribuidora Universal Pictures, o filme teve seu lançamento cancelado no Brasil. A empresa afirma que o longa será  disponibilizado apenas em plataformas de streaming. “Espero que o filme chegue às pessoas certas e, de qualquer forma, o livro é sempre melhor – e meu livro está sendo publicado no Brasil”, brinca o autor.

Além de escritor, Conley se tornou ativista das causas LGBT nos Estados Unidos e também produz um podcast chamado UnErased (“Não apagado”, em tradução livre) em que explora o histórico das terapias de conversão no país. Hoje ele mora com seu marido em Nova York. “De muitas maneiras o garoto que eu era durante o meu tempo na terapia de conversão não existe mais. Eu o apaguei para dar espaço a uma nova identidade que agora possuo como ativista e escritor.”

Leia no HuffPost Brasil a entrevista completa.

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