EDITORIAL: O AMOR NÃO MATA, SEU VOTO É A NOSSA ESPERANÇA

Há alguns dias inúmeras pessoas próximas, ou mesmo familiares, me falaram sobre amor. Nunca foi por amor, nunca será por amor. Quem ama, não mata. Olhando para a história da homossexualidade é fácil perceber que a repressão, que a tentativa de nos castrar, nos silenciar, nunca teve ou terá nada de religiosa, ela surge, na maioria das vezes em governos autoritários, sejam eles monárquicos, ditatoriais, clérigos ou democráticos. A religião é em muitas vezes usada como desculpa, a própria religião é uma desculpa em si. Uma religião que inicia matando seu líder por ele ser diferente e que até hoje não consegue entender o sentido daquilo que ela própria prega. Mas a fé, essa é inabalável, pois é divina, diferente da religião que é humana e por isso tão cheia de falhas. Da fé não podemos abrir mão. 

Mas voltemos ao amor. Imaginem como é crescer em um mundo com os prognósticos abaixo. A sensação é de puro medo de que isso tudo possa voltar a qualquer momento, de que na verdade já voltou. Não há amor mais forte que o amor próprio e é por isso que nesse momento precisamos de um amor de verdade, daqueles que acreditam em nós, que lutam por nós, que são capazes de nos defender. Precisamos do apoio de amigos, tios, primos, mães, colegas, professores. Não apenas de amor, precisamos de um voto consciente, precisamos de alguém que saiba que escolher qualquer alternativa não democrática nos coloca de volta na mira. Não acredito que tenhamos saído da mira de muitos, o Brasil é hoje um dos países que mais mata homossexuais, mais de uma pessoa por dia. E não são pessoas que morrem por assalto, por violência sistêmica, essas pessoas foram mortas por serem quem são. Muitas delas por pessoas próximas. Algumas como vocês já devem ter ouvido, que alegam ter feito isso ‘por amor’. O amor não mata. O amor não mata. O amor não mata. 

Por isso, se você é amigo, conhece, tem alguém próximo que é LGBT, procure entender o quão assustador é para esta pessoa ver um país inteiro escolhendo um representante que é contra os direitos de LGBT’s e de muitas outras pessoas. Nós não estamos exagerando, grande parte dos movimentos históricos que buscaram nos dizimar começaram exatamente assim. Com um líder que perseguia minorias e com uma sociedade que ‘não acreditava que ele fosse capaz disso’. 

Exerça sua democracia, escolha quem você acredita que seja o melhor, mas não seja egoísta. Nenhum país pode prosperar em cima da morte de pessoas inocentes. A história cobra, a consciência cobra. Leia abaixo um pouco da história dos homossexuais e pense se você quer que seus amigos, filhos, cresçam em um mundo assim:

HISTÓRIA DA HOMOFOBIA:

Durante a Idade Média a vontade de Deus era o argumento para todas as ações, inclusive em situações cruéis. A ascensão do Cristianismo em Roma reverteu os valores da época, caçou hereges e perseguiu os diferentes. O Papa passou a ter um poder divino sobre a terra, dividindo com os imperadores o governo das nações. O conhecimento ficou restrito aos nobres e aos clérigos. O papa Gregório instituiu o direito ao Tribunal do Santo Ofício, em 1231, e ordenou o combate às mazelas difundidas em toda a Europa. Os homossexuais foram tão perseguidos que, somente no Brasil, já no século XVII, foram registadas 4.419 denúncias de sodomia, dos quais, 30 foram enviados à Metrópole e condenados à fogueira. Muitos fidalgos portugueses fugiam para a então colónia em busca de sossego da Inquisição. A sodomia era considerada a pior das heresias. Para homossexuais, a idade justificava a pena. Após confissões obtidas na base da tortura, o indivíduo abaixo de 15 anos era recluso por três meses. Acima dessa idade, deveria ir preso e posteriormente pagar multa. Os adultos deveriam pagar multas, caso contrário tinham os seus genitais amarrados e deveriam andar nus pela cidade, serem açoitados e depois expulsos. Caso fossem maiores de 33 anos, o acusado seria julgado, sem direito a defesa e, caso condenado, morto em fogueira e seus bens confiscados. Apesar de todo os esforços, nesse mesmo período existem relatos de pelo menos dois papas homossexuais: Papa Paulo II e Papa Alexandre VI.

Castração, trabalhos forçados, castigos físicos e morte por decapitação, fogueira e forca foram algumas das penalidades impostas aos homossexuais, principalmente os masculinos, ao longo da história. A atração e o amor por pessoas do mesmo sexo foi tida, durante muito tempo, como algo pecaminoso, perverso, criminoso e até doentio. Apenas em 1990 a OMS (Organização Mundial da Saúde) retirou a homossexualidade do Manual de Diagnóstico e Estatística dos Distúrbios Mentais, que até então a classificava como desvio e perversão. O termo “homossexualismo” também foi abolido, já que o sufixo “ismo” implica um transtorno, algo a ser tratado.

Decapitação

No início do século 4, após se converter à fé cristã, o imperador romano Constantino decretou que a homossexualidade era antinatural, já que o sexo deveria ter por único objetivo a procriação. Ele ordenava a decapitação dos “infratores”. Por volta de 390 d.C., sob o comando de Teodósio, o Grande, os culpados eram condenados e queimados publicamente.

Bodes expiatórios

A Peste Negra assolou a Europa na segunda metade do século 14, matando 25 milhões de pessoas. Hoje, se sabe que ela foi propagada por meio de pulgas e ratos infectados com o bacilo Yersinia Pestis, que, devido às condições de higiene da época, conviviam naturalmente com a população. No entanto, como ninguém sabia a causa da doença, o “pecado” em que viviam os homossexuais foi um dos motivos apontados para o surgimento da desgraça, que seria uma espécie de castigo divino cujas consequências todos, sem exceção, deveriam sofrer. Fomes, naufrágios e epidemias, de forma geral, eram problemas associados aos homossexuais.

Forca e trabalhos forçados

Na Inglaterra, a Lei de 1534 tornou a sodomia um crime. A palavra, que caiu em desuso e hoje só é usada por conservadores religiosos, vem do nome da cidade de Sodoma, citada na Bíblia, e era empregada para se referir ao sexo anal. Homens que mantinham relações com outros homens tinham os bens confiscados e eram condenados à forca até 1861. A pena de morte foi substituída por prisão e trabalhos forçados. Acusado de ser sodomita pelo pai de seu amante, o lorde Alfred Douglas, o escritor Oscar Wilde (1854-1900) passou dois anos definhando na cadeia e morreu pouco tempo depois de deixá-la.

Experiências nazistas

Na Alemanha nazista, poucos homossexuais (judeus ou não) escaparam dos campos de concentração. Lá, tinham uma estrela cor-de-rosa de tecido pregada nos uniformes como forma de humilhá-los e marcar sua condição. Vistos como doentes e pervertidos, até pelos outros prisioneiros, gays eram obrigados a transar com prostitutas. Muitos foram castrados e outros tantos serviram de cobaia para as experiências nazistas, como a aplicação de altas doses de hormônios masculinos. Estima-se que em 1928 existiam cerca de 1,2 milhões de homossexuais na Alemanha. Entre 1933 e 1945, mais de 100 mil homens foram registados pela polícia como homossexuais (as “Listas Rosa”), e destes, aproximadamente 50 mil foram oficialmente condenados. A maior parte destes homens foi aprisionado e entre 5 a 15 mil enviados para campos de concentração. O investigador Ruediger Lautman acredita que a taxa de mortalidade de homossexuais presos em campos de concentração poderá ter atingido os 60%, pois os homossexuais presos nesses “campos da morte” para além de serem tratados de forma extraordinariamente cruel pelos guardas, eram também perseguidos pelos outros prisioneiros. Depois da guerra, o sofrimento dos homossexuais nos campos de concentração nazi não foi reconhecido em muitos países, tendo algumas potências aliadas recusado a libertação ou repatriação destes homens. Alguns dos que ficaram presos, escaparam e foram de novo presos, baseados em factos ocorridos durante no período nazi. Apenas nos anos 1980 começaram a surgir governos a reconhecer os homossexuais como vítimas do Holocausto, e apenas em 2002 o governo alemão pediu formalmente desculpa à comunidade gay.

Castração química

Com o fim da Segunda Guerra Mundial, americanos e britânicos forçaram os homossexuais a cumprir o restante da pena imposta pelos nazistas na cadeia. O renomado matemático Alan Turing (1912-1954), pioneiro da computação, foi forçado a se submeter à castração química como alternativa à prisão e acabou se suicidando.

Lobotomia

Criada em 1949 pelo neurocirurgião português António Egas Moniz, a lobotomia foi uma arma bastante usada para “dar um jeito” na homossexualidade, então tida como um “defeito genético”. A técnica cirúrgica, que chegou a ganhar o prêmio Nobel de medicina, consistia em cortar um pedaço do cérebro (nervos do córtex pré-frontal) para tornar os pacientes mais dóceis e livres de erotização. Na Suécia, 3.000 homossexuais foram lobotomizados. Na Dinamarca, justamente o primeiro país a aprovar o casamento entre pessoas do mesmo sexo (em 1989), foram 3.500, sendo que a última operação ocorreu em 1981. Nos Estados Unidos, a soma ultrapassa 10 mil pacientes.

Internações em hospícios

Homens e mulheres que gostavam de pessoas do mesmo sexo foram trancafiados em hospitais psiquiátricos para serem “curados” –as internações aconteciam, em boa parte das vezes, sob ordens de parentes, que não queriam “aberrações” na família. No hospício brasileiro de Colônia, em Barbacena (MG), durante décadas, homossexuais internados sofreram maus tratos (entre os quais choques e estupros) e viveram em condições subumanas, comendo ratos e fezes e bebendo água de esgoto.

Acusação de criminalidade

Nos anos 1930, no Brasil, a homossexualidade era ligada à criminalidade. Por não constituírem uma família convencional, homossexuais não contribuíam para o desenvolvimento da sociedade. Essa opinião vinha de médicos renomados, o que só aumentava o preconceito e a repressão.

Terapia de aversão

Ao longo da história, tentativas médicas de alterar a homossexualidade incluem tratamentos como a vasectomia e a histerectomia, além de hipnose e medicação. Nas décadas de 1960 e 1970, pacientes levavam choques ou tomavam drogas indutoras de náuseas enquanto assistiam filmes homossexuais eróticos. A chamada terapia de aversão tinha como proposta levar as sensações desagradáveis à repulsa por um determinado tipo de comportamento. Um exemplo fictício seria o Tratamento Ludovico mostrada no filme “Laranja Mecânica” (1971).

Açoite e expulsão

Sob a rígida influência católica de Portugal, no Brasil colonial a prática homossexual era punida com morte na fogueira, degredo (desterro ou banimento da comunidade) e infâmia dos familiares, que ficavam estigmatizados publicamente pelo ato pecaminoso. Em 1592, em Salvador (Bahia), a portuguesa Felipa de Souza foi considerada a primeira lésbica a ser açoitada após condenação pela Inquisição Portuguesa do Santo Ofício. Ela foi atada ao pelourinho, castigada e expulsa da cidade, capitania na época. No Brasil colônia, o uso do açoite era frequente em várias cidades como forma de punir e humilhar os homossexuais.

Repressão policial

Nos Estados Unidos, batidas policias em bares que reuniam homossexuais eram comuns nos anos 1960. Em 28 de junho de 1969, policiais decidiram expulsar cerca de 200 clientes do Stonewall Inn, em Nova York. Ao saírem à rua, porém, foram recebidos por uma multidão revoltada com os abusos, munida por pedras e garrafas. Os protestos duraram dias e deram início aos primeiros movimentos organizados e marchas pelos direitos homossexuais. Em 2016, o então presidente dos EUA Barack Obama decretou o Stonewall como monumento nacional. Durante o período da Ditadura Militar (1964-1985) no Brasil, volta e meia a polícia detinha e prendia homossexuais de forma violenta, sob a explicação de que estavam praticando “vadiagem”. Na cadeia, muitos foram torturados.

No decorrer da história foram inúmeras as pessoas que mudaram o rumo da história e foram perseguidas por serem homossexuais.

– Leonardo Da Vinci (1452-1519): vários biógrafos afirmam que o brilhante artista era gay. Uma denúncia contra ele e sua perseguição posterior não o teriam permitido exercer sua sexualidade em liberdade.

– Nicolau Maquiavel (1469-1527) o influente filósofo italiano Nicolau Maquiavel foi obrigado a esconder sua sexualidade por toda a vida. Ele é autor do clássico “O Princípe”, um dos tratados políticos mais fundamentais elaborados pelo pensamento humano, com papel crucial na construção do conceito de Estado moderno.

– Alan Turing (1912-1954): o pai da computação trabalhou durante a Segunda Guerra para a inteligência britânica para quebrar os códigos de mensagens secretas dos alemães. Por conta de sua homossexualidade, sofreu um processo criminal em 1952 e teve que passar por tratamento com hormônios femininos e castração química para não ir à prisão, levando a sua morte.

– Oscar Wilde (1854-1900): o famoso escritor e dramaturgo de origem irlandesa é autor de clássicos como “O Retrato de Dorian Gray”. Ele foi condenado por ser gay e, em seus últimos anos, foi submetido a trabalhos forçados por “cometer atos imorais”. Ele morreu em Paris, na pobreza, pouco mais de três anos após sair da prisão.

– Federico García Lorca (1898-1936): um dos maiores poeta e dramaturgos da Espanha foi assassinado aos 38 anos.

FONTES: Claudio Blanc, autor de “Uma Breve História do Sexo” (Ed. Gaia); Claudio Picazio, psicólogo, autor de “Diferentes desejos: adolescentes homo, bi e heterossexuais” e “Sexo secreto – temas polêmicos da sexualidade” (Edições GLS); livro “Holocausto brasileiro” (Geração Editorial), de Daniela Arbex; livro “Marcados pelo triângulo rosa” (Ed. Melhoramentos), de Ken Setterington; Marcelo Duarte (escritor) e Jairo Bauer (psicólogo), autores de “O Guia dos Curiosos – Sexo” (Panda Book); Mary Del Priore, historiadora e autora de “Histórias Íntimas – Sexualidade e Erotismo na História do Brasil” (Ed. Planeta, e Oswaldo M. Rodrigues Jr., psicólogo, diretor do Inpasex (Instituto Paulista de Sexualidade) e autor de “Parafilias” (Ed. Zagadoni)

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