MARIELLE FRANCO É EXECUTADA POR UM BRASIL QUE NÃO ADMITE A ASCENSÃO DA DIFERENÇA

Marielle Franco, mãe da Luyara e cria da favela da Maré. Socióloga formada pela PUC-Rio e mestra em Administração Pública pela Universidade Federal Fluminense (UFF). Sua dissertação de mestrado teve como tema: “UPP: a redução da favela a três letras”. Trabalhou em organizações da sociedade civil como a Brasil Foundation e o Centro de Ações Solidárias da Maré (Ceasm). Atuou como coordenadora da Comissão de Defesa dos Direitos Humanos e Cidadania da Assembleia Legislativa do Rio de Janeiro (Alerj). Vereadora, mulher, negra, lésbica, favelada, socióloga, guerreira, Marielle foi muitas coisas. 

Em sua trajetória lutou pelos direitos não apenas das mulheres, mas das mulheres lésbicas, das mulheres lésbicas negras. Em entrevista, Marielle chegou a contar sobre sua experiência de vida na favela. Se assumiu lésbica na adolescência, aos 15 anos, enfrentando olhares e julgamentos que conhecemos. Achavam que era uma fase e que passaria quando encontrasse um homem que me satisfizesse, que me apresentaria o verdadeiro “amor” ou a verdadeira satisfação sexual. (poético, não?) Acabou passando por diversas violências por conta de sua orientação sexual. 

Na escola foi orientada pela direção a se distanciar do grupo das meninas sapatões e que deveria procurar pessoas mais descentes e menos perturbadas. Em bares foi “convidada” a se retirar por demonstrar afeto publicamente. Em casa também sofreu violência, desde expulsão até ser obrigada a fazer terapia para curar os meus desvios sexuais. Foram muitas violências que teve que enfrentar ainda muito jovem.
 

Por isso  Marielle acreditava tanto na importância de falar sobre as violências e preconceitos vividos. As experiências que sofreu certamente não eram exclusivas da sua vida, muitas mulheres passaram e ainda passam pelo mesmo. A vereadora sabia que era necessário enfrentar diariamente essa sociedade machista e lesbofóbica que ainda acha que as mulheres que amam mulheres, são objeto de consumo.

Marielle viveu na pele e conhece as histórias recorrentes de seus pares que sofreram expulsões de casa, escrachos públicos, falta de direito ao atendimento médico, agressões em delegacias, falta de segurança nas ruas escuras, estupro corretivo motivado pela intenção lesbofóbica de corrigir a orientação sexual…Todos os dias! Ainda assim, Marielle encontrou forças para lutar. Transformou sua própria vida em um ato político. Concorreu a vereadora e venceu, dando voz a várias mulheres. Quinta representante mais votada a ocupar uma cadeira na Câmara Municipal da capital fluminense nas últimas eleições, Marielle era também presidente da Comissão de Defesa da Mulher na casa. Além disso, ela era também uma das quatro relatoras da comissão que monitoraria a intervenção militar no Rio de Janeiro. 

Na noite desta quarta-feira, no entanto, tivemos de nos deparar com uma cena trágica. O assassinato da vereadora do PSOL Marielle Franco, morta a tiros na noite da quarta, 14, no Rio de Janeiro. Segundo as primeiras informações da polícia, bandidos em um carro emparelharam ao lado do veículo onde estava a vereadora e dispararam. Marielle foi atingida com pelo menos quatro tiros na cabeça. A perícia encontrou nove cápsulas de tiros no local. Os criminosos fugiram sem levar nada. Além da vereadora, o motorista do veículo, Anderson Pedro Gomes, também foi baleado e morreu. 

Tenha sido planejada ou não, a morte de Marielle é uma execução. Não fosse por sua luta, seria por estatística. Em 2014, foram registradas 16 mortes de Lésbicas no Brasil. Em 2017, o número passou para 54 – um aumento de 150% de casos em quatro anos. Só nos dois primeiros meses de 2018, já foram registradas 26 mortes por lesbocídio. De acordo com o Mapa da Violência 2015, elaborado pela Faculdade Latino-Americana de Estudos Sociais, o número de mulheres negras mortas cresceu 54% em 10 anos (de 2003 a 2013), enquanto que o número de mulheres brancas assassinadas caiu 10% no mesmo período. No total, 55,3% dos crimes contra mulheres foram cometidos no ambiente doméstico, e em 33,2% dos casos os homicidas eram parceiros ou ex-parceiros das vítimas. 

São inúmeras as Marielles assasinadas todos os dias, executadas por um estado que extermina as minorias, seja por sua ação nas favelas, pela falta investimento em saúde, segurança e educação, ou por esta herança colonialista que impede o desenvolvimento das classes mais baixas. O status quo não consegue aceitar que uma mulher lésbica e negra chegue a um cargo público e tente mudar a situação. A história nos lembra uma cena semelhante com a morte do ativista LGBT Harvey Milk que foi assassinado após assumir uma vaga na prefeitura de São Francisco nos Estados Unidos nos anos 70. A execução de Marielle é um recado destes novos líderes que fazem o que querem, como querem e quando querem. Mas é preciso que eles saibam que podem nos matar, mas nunca nos calarão. Já sobrevivemos a tantas coisas e nos tornamos tão mais fortes, que apenas se engana quem acredita que vamos desistir dos nossos direitos. Não vamos parar!  

Confira um vídeo sobre a trajetória de Marielle:

Fontes: Site Oficial, G1, Mapa da Violência, The Intercept.

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