NO DIA INTERNACIONAL DA FOTOGRAFIA, BRUNO GULARTE BARRETO FALA SOBRE O SEU TRABALHO COM FOTOGRAFIAS DE NUDEZ

No Dia Internacional da Fotografia conversamos com o fotógrafo Bruno Gularte Barreto que divide um pouco da sua experiência como fotógrafo e realizador audiovisual. Sobre sua trajetória, Bruno conta que sempre teve uma relação forte com a imagem, no começo através do desenho e mais tarde na fotografia, cinema e vídeo. Ele diz: “eu sou dessa primeira geração que passou a ter acesso a computador, celular e internet ainda jovem. Eu vivi a evolução da fotografia digital e a facilidade de acesso à produção de fotografias que isso acarretou, acho que a minha transição do desenho e outras formas de produção de imagem pra fotografia acompanhou essa evolução. A universidade também teve um papel importante nessa transição, foi nela que eu aprendi a dominar a técnica fotográfica com mais consciência e entendi que era com isso que eu devia trabalhar. Que era não só algo que eu amava fazer como algo que eu podia fazer bem. Eu não trabalho só com fotografia, a minha produção vai do cinema às artes visuais, passando pelo teatro, performance, vídeo, texto, instalação e misturas dessas coisas que eu nem saberia como chamar, mas a fotografia sempre esteve presente. É aquilo que eu faço por que não consigo deixar de fazer, como uma necessidade mesmo. Uma forma de organizar as ideias organizando o olhar e ao mesmo tempo extravasar através de momentos de fruição e contato com o outro.”

Sobre a relação do fotógrafo com a obra Bruno contou um pouco da sua história para explicar como além de um trabalho a fotografia hoje faz parte da sua vida. Bruno conta “eu fui criado católico, estudando em escola de freiras em uma cidade pequena do interior do Rio Grande do Sul. Minha relação com o corpo e a nudez na infância foi de vergonha e proibição. Isso se manteve durante muito tempo na minha vida, acho que ainda trago algumas marcas dessa criação mesmo hoje em dia. Quando eu comecei a fotografar nus, ainda na época da faculdade, isso vinha de uma necessidade quase infantil de confrontar esses tabus que eu trazia ainda presentes. Era uma época de descoberta e experimentação em vários aspectos, da minha sexualidade, do meu próprio corpo e do corpo do outro. No começo era isso, experimentação e esse desejo adolescente de desafiar tabus, de provocar e de extravasar os meus próprios limites como pessoa e artista. Com o tempo eu segui fazendo mil outros trabalhos com outros temas e em outros formatos, mas a fotografia de nus sempre seguiu paralela ao resto todo. Era algo que eu fazia descompromissadamente, com amigos e amantes, mas que logo gerou resultados concretos. O trabalho começou a ser visto e surgiram oportunidades de expor. Sendo bem sincero, nas primeiras exposições eu não tinha muita ideia do que estava fazendo. Eu já conseguia, no entanto, perceber que as imagens que eu tinha eram potentes e que as pessoas reagiam a elas de acordo com essa potência e isso era o suficiente. Os anos se passaram e eu segui trabalhando. O que no começo era puramente intuitivo acabou se tornando de fato um processo de pesquisa formal que eu sigo desenvolvendo até hoje e de forma cada vez mais aprofundada. Acho importante ressaltar que isso só foi possível graças ao apoio do Fumproarte, o fundo de apoio à cultura da cidade de Porto Alegre, através do qual eu consegui não só produzir as primeiras exposições como ter acesso a uma bolsa de pesquisa que resultou nos desdobramentos mais recentes do trabalho. Fundo esse que durante anos foi exemplo de gestão de cultura no país e que infelizmente está hoje em processo de sucateamento pela atual prefeitura.

Foto Exposição – Bruno Gularte Barreto

Sobre o que instigou o trabalho com a nudez, Bruno revela que o que o instiga a trabalhar com a nudez é “a vontade de lidar com o tabu, com o proibido, com o que eu fui ensinado que jamais poderia ser visto e passou a se desdobrar em vários outros pontos que são bastante importantes na minha pesquisa. Claro que trabalhar com nu ainda é (em pleno 2017, quem diria?) um ato político. Especialmente no momento de retorno ao conservadorismo e fascismo que estamos vivendo, qualquer forma de arte que não seja “recatada e do lar” é uma forma de provocar, discutir e gerar questionamento. No entanto há hoje outras questões que balizam o trabalho para além desse posicionamento: a ideia de fragmentação e ampliação do corpo, a relação com a performance e com a escultura, as próprias questões clássicas do pensamento sobre fotografia, como a bidimensionalidade e o instante decisivo, a relação com a possível efemeridade da imagem digital, o contato e a relação com o outro, a colaboração criativa que se estabelece com o modelo/performer, as formas de exibição e edição, questões de composição, a tridimensionalidade, a criação de uma rotina de atelier, o lidar com o acaso, a construção de um pensamento formal sobre um trabalho que é fundamentalmente processual, etc.” Sobre a reação do público, o fotógrafo confessa que “o que acontece na reação do público que vê as fotos eu não tenho ideia. Eu realmente acredito que cada um vai ter uma relação absolutamente pessoal com cada obra, que vai ser atravessada por questões diversas, desde o repertório e gostos pessoais até, sei lá, o humor da pessoa no momento. Eu já vi de tudo nas exposições anteriores. Gente sorrindo, chorando, indignada, com vergonha, rindo compulsivamente, com nojo, com tesão, indiferente, com medo, olhando o celular, fazendo selfie, tropeçando nas obras, casais, trisais e até grupos se beijando e acariciando de forma voluptuosa, pessoas reclamando, agradecendo, desenhando as fotos. Eu acho que a partir do momento em que eu coloco o trabalho na roda eu perco completamente o controle sobre ele. Isso é um pouco assustador às vezes, mas também é libertador. Sobre a relação com os modelos, para Bruno essa é uma das melhores partes. Pra ele é muito recompensador ter todas essas pessoas incríveis disponíveis pra participar do trabalho simplesmente por acreditarem nele. “Cada ensaio é diferente, mas é sempre um momento de aprendizado e afeto. Eu aprendo com cada pessoa a cada ensaio, e gosto de acreditar que também ajudo as pessoas a se conhecerem um pouco melhor se vendo de outras formas através do meu olhar. É engraçado como geralmente tem uma curva dentro do ensaio em que a pessoa começa um pouco tímida mas rapidamente se acostuma com a situação e se tranquiliza. Acho que isso é um resultado claro de como a vergonha do corpo nu é uma construção social muito frágil. No começo há um estranhamento, mas logo fica claro que não tem nada de anormal, estranho ou mesmo sexual em estar nu. Pelo contrário, o estado natural do corpo é estar nu. Claro que com cada pessoa é diferente, mas o retorno que eu tenho dos modelos é sempre de uma experiência tranquila e mesmo divertida e de gratidão e orgulho depois de ver as obras prontas.”

Foto Exposição – Bruno Gularte Barreto

Para finalizar o fotógrafo coloca que para ele, “essas questões do proibido, do tabu, do sexual já estão completamente ultrapassadas e ao mesmo tempo seguem sendo pertinentes. Já estão ultrapassadas por que qualquer pessoa com um mínimo de conhecimento de história e de história da arte sabe tanto que o tabu sobre a nudez é uma construção social bastante recente na humanidade quanto que na arte esse tabu sempre foi quebrado. Seguem sendo pertinentes, no entanto, por que – e isso é sempre muito surpreendente pra mim – para muitas pessoas o nu ainda é motivo de choque. Eu acho isso particularmente curioso em um país como o Brasil, que não só é extremamente quente em boa parte de sua vasta extensão como tem como maior festa popular o carnaval. Mas é isso, somos um país de contradições: no carnaval você pode aparecer na TV para toda a família brasileira sambando com os seios cobertos apenas por uma camada de glitter, mas se você fizer topless na praia pode ser presa. Hoje em dia todos tem e mandam “nudes” pelo celular, mas se uma dessas nudes “vaza” é motivo de constrangimento. Os filmes e a TV mostram o tempo todo cenas de sexo e nudez, porém jamais se pode ter a imagem de uma genitália, especialmente a masculina. Mesmo os poucos programas que mostram nu frontal masculino jamais podem mostram um pênis ereto e muito menos uma imagem de penetração. Todos desejam a nudez e o sexo, mas ninguém pode tê-los de forma aberta e honesta. Todos consomem pornografia na internet, mas não se pode admitir, e mesmo a pornografia só mostra atos sexuais idealizados e muito distantes da realidade, reforçando ideais inatingíveis de um sexo mecânico entre corpos perfeitos e hiper masculinizados/feminilizados. Gosto de pensar que o meu trabalho vai na contramão disso tudo. Eu mostro corpos nus, que podem inclusive gerar excitação e desejo em quem os vê, a interpretação é livre, mas é algo muito distante do carnaval, da cena de sexo na novela ou do filme pornô. Os corpos que eu mostro são reais, de pessoas que na maioria das vezes nunca posaram nuas e não são modelos profissionais. Nas minhas fotos há genitálias, mamilos, bundas, (às vezes vários na mesma peça) e esses são como quaisquer outras partes do corpo. Esses corpos e partes de corpos vão ser misturados, amalgamados, recortados, fragmentados, colados e transformados em novos corpos. Corpos monstruosos, estranhos, talvez belos, objetos, texturas, instalações. A união dessas imagens vai transformar os modelos em algo além do humano. Algo que pode mesmo ser sexual e ter órgãos sexuais, talvez até mesmo ser feito unicamente de órgãos sexuais, ou simplesmente de pedaços de pele. Uma colcha de retalhos de texturas de peles de seios e pênis é sexual? Uma cabeça de touro feita de pele humana cujos chifres são pênis eretos é sexual? E se essa cabeça estiver atrelada a um belo corpo humano nu, ela passa a ser sexual? Gosto de pensar que os corpos que eu construo são algo que está entre a aberração e a divindade, e, como tal, pouco importa se são ou não sexuais. Somos majoritariamente seres sexuais, onde essa sexualidade se projeta não cabe a mim decidir.”

Veja mais no site do Alguém Avisa e siga também as atualizações nos perfis oficiais no Twitter, no Facebook e no Instagram.