ARTE E HOMOEROTISMO NO PROJETO ‘JAKEZINE’ DE CAIO MASCARELLO

Caio Mascarello é artista visual, 30 anos e desenvolve o projeto jakezine. Formado em Administração de Empresas, teve uma carreira executiva por alguns anos, até parar para viver um período sabático onde desde então tem se aventurado pelas artes gráficas. O trabalho visual do artista começou nas ruas com os lambe-lambes, sendo o mais conhecido o “Navegue na direção de seus medos”. Para Caio, estar em contato com as ruas tem sido uma constante em seu trabalho artístico. O projeto jakezine surgiu no ano de 2014, numa residência artística em São Paulo, inicialmente como projeto de intervenção urbana que não saiu do papel. Mas foi só em 2016 que ele criou coragem e ‘saiu do armário’, levando o jakezine para as ruas também. Através de stickers, feiras gráficas com prints e postais o projeto foi caminhando até participar da exposição coletiva registro n.1 da Casa Baka em Porto Alegre.

Sobre arte e processo criativo, Caio diz: “o meu processo acontece de diferentes formas, mas normalmente parte de alguma motivação biográfica. No início, eu buscava ilustrar meus encontros sexuais, utilizando o desenho como ferramenta de terapia, sentia que colocando no papel eu me libertava. O processo de criação começava a partir da colagem, com as nudes que eu recebia em aplicativos de pegação, mas ao longo do tempo comecei a pesquisar imagens de revistas homoeróticas da década de 90 e 00 e o processo de certa forma ganhou mais personalidade e profundidade artística. A partir dessas colagens, passei a intervir nelas, redesenhando, criando padrões e adicionando textos, e fui a medida do tempo fechando algumas ilustrações.”

A arte muitas vezes nos ajuda a exorcizar algumas questões que nem sempre lidamos tão bem. Para Caio a arte foi libertadora. Como relatou anteriormente, parte de sua motivação veio de uma culpa associada a sua homossexualidade, a sentir prazer, a fazer sexo, a ser visto e se enxergar como homem gay. Colocar essa narrativa no papel, através da colagem, desenho e outras mídias, lhe permitiu se entender melhor como indivíduo, sendo uma ferramenta de autoconhecimento. Na segunda parte desse trabalho, o de levá-lo para a rua, torná-lo público, com sticker ou lambe-lambe, o artista procura através do “ato de ser visto” mostrar sua existência sua participação no tecido social, tornando a exposição tão relevante quanto o ato de criação.

O jakezine surge desse processo de autoconhecimento e libertação. O pseudônimo do Jake é uma homenagem ao primeiro relacionamento que Caio teve, quando foi morar no exterior, o nome dele era Jake e foi a primeira vez que o artista teve a oportunidade de sair do armário e efetivamente se ver como homem gay, foi a primeira vez que se apaixonou. Apesar do relacionamento não ter dado certo, Caio entende este momento como ponto de virada em sua vida, o que torna o nome tão ideal para o projeto. Para o artista, “os desenhos refletem a minha construção de sexualidade, baseada no corpo masculino representado no pornô gay, o qual era a referência que eu tinha acesso, escondido no meu quarto, pela internet, nos anos 00. Aos poucos, a medida que me aprofundo na construção do zine, vejo esse estereótipo do pornô gay ir se dissolvendo, como um processo natural, a medida que vou soltando as minhas amarras, de ir surgindo cada vez mais a minha sexualidade real e menos essa sexualidade projetada pelo pornô.”

No jakezine, Caio pode perceber o quanto ainda é um tabu trabalhar o corpo masculino, na erotização do corpo masculino, na representação do pênis. Desde o processo de de obter coragem para desenhar até o modo como as pessoas reagem, há sempre um enfrentamento. Segundo Caio, os adesivos são destruídos e retirados das ruas, diferente de outros projetos, que se mantém por mais tempo. Para ele, “apesar de estarmos acostumados com a super erotização do corpo feminino, nossa sociedade tem muito medo dos corpos em geral.” Por isso em seu trabalho representatividade é a grande questão. Em nível pessoal o trabalho com a arte homoerótica auxilia o artista a se entender e se ver como homem gay, e em nível social torna a homossexualidade presente, traz ela para o dia a dia de outras pessoas, mostrando que a nossa sexualidade não deve ser colocada para debaixo dos panos, escondida. Para Caio é preciso afirmar que estamos nas ruas, belos, coloridos, e como seres humanos que tem sim uma sexualidade que não deve ser escondida de maneira alguma.

Os desenho e intervenções feitos pelo artistas podem ser vistos nas ruas de Porto Alegre, mas também estão no @jakezine que é o espaço onde o artista documenta o próprio processo, permitindo também que ele se relacione com um público maior.

Caio finaliza dizendo: “não posso dizer que existe um artista ou artistas que me inspiram, mas sim que as pessoas me inspiram, as experiências me inspiram”. A gente do Alguém Avisa só torce que o trabalho do Caio também sirva de inspiração para muita gente, e que quando alguém o veja, seja na rua ou na internet, sinta-se representado, feliz, “belo e colorido”.

Veja mais no site do Alguém Avisa e siga também as atualizações nos perfis oficiais no Twitter, no Facebook e no Instagram.