PRA SER UM HOMEM SEM PAU TEM QUE SER HOMEM EM DOBRO

Recentemente, o jovem Miguel Marques, de 24 anos, estudante de Psicologia, Trans, dividiu em seu medium um pouco da sua experiência como homem trans e apontando algumas questões do falocentrismo que afetam em várias esferas não apenas a sua experiência, mas a de quem foge a este “padrão”.

Confira o texto na íntegra, mas siga o Miguel e confira outros textos:

“Todo acordo e travo uma luta diária com a minha mente, tentando manter um acordo comigo mesmo de sanidade, calma e paciência. Sanidade e calma para sobreviver e paciência para manter a esperança de que um dia vou estar em paz com meu corpo.

Desde em que comecei a transição física, quando houveram as mudanças, comecei a me sentir mais feliz porque me sentia mais homem, mais másculo, começava a ver o homem que sou no espelho, materializado, alí na minha frente.

Não ter um pênis sempre foi algo muito pesado pra mim, mas ver as mudanças me mostravam que ser homem era algo para além de um falo, para além de um corpo.

Esse pensamento me sustentou por muito tempo, de certo modo ainda sustenta. Aprendi a ter outras formas de relações sexuais além das habituais como forma de me descobrir e tentar entrar em harmonia com meu próprio corpo.

Gostei e gosto sempre de ter outras vias de prazer. Porém, toda a vida fui um homem que ocupou uma posição de ativo sexualmente. Tanto por gostar bastante, por me satisfazer e ao mesmo tempo era um símbolo de masculinidade extremo, estar no domínio.

Afinal, o que me ensinaram, o que nos ensinaram é que pra ser homem de verdade tem que comer, e apenas comer. Qualquer outra prática sexual que o coloque como passivo automaticamente o torna menos homem, e no meu caso, para além disso, também “menos hetero”.

(Consequentemente algo mais próximo do feminino.) E um homem estar próximo de qualquer coisa que seja considerado feminino é repugnante, inaceitável para a nossa sociedade misógina.

Sou um homem construindo a minha identidade socialmente de forma tardia, mas ainda assim com as mesmas influências externas que um homem que não é trans sofre para construir a sua.

Sou influenciado diariamente por comentários entre pessoas conversando, falando do tamanho do pênis de fulano de tal, de como foi bom transar com aquele homem, e como o pênis de um outro era pequeno e insatisfatório.

Diariamente, em redes sociais, entre amigos, e mesmo quando estou presente, sempre os mesmos comentários. Ninguém sequer se dá conta porque já é algo muito “natural”.

Um homem que não é trans já tem a masculinidade completamente pressionada e cobrada, quem dirá um homem que tem uma vagina: O maior símbolo de feminilidade de um corpo feminino, ao que diz o que aprendemos.

Ser um homem com vagina é ser homem em dobro, é tentar construir uma masculinidade isenta dos lixos que vem junto. Passar por cima de tudo, por cima dos traumas, das rejeições, tentando se permanecer são (ao menos tentamos). Conseguindo sobreviver, e ainda sobrar amor para se relacionar. Isso que é ser macho de verdade. E não é pra qualquer um.”

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